Em termos de expressão, mylord, qual a diferença entre o alemão, o francês e o brasileiro?

É que o alemão pensa antes de falar ✦ o francês pensa enquanto fala ✦ e o brasileiro fala sem pensar. (Lord Jaeggy)

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

CARAMBA, JÚLIA PRODO ENTREVISTA!





Júlia Prodo entrevista a filósofa BELMIRA SANTOS-KNUPP*




JÚLIA PRODO: Professora Doutora Belmira Simone Santos-Knupp, é com grande honra para mim que a recebo aqui, neste espaço exígüo da cultura brasileira, mas que vai se tecendo e aumentando a cada dia que passa, através dessa plural e sintomática rede virtual chamada blogosfera. Gostaria que a senhora se sentisse à vontade e que nos expusesse, sempre da forma mais franca, todos os seus pontos de vista, sem reticências de qualquer espécie.

BELMIRA SANTOS-KNUPP: Muito obrigada. Em primeiro lugar, eu gostaria de relevar que a honra maior é minha de estar aqui com você, minha cara Júlia, neste espaço exígüo, como você mesma diz. E em segundo, que eu preferiria que deixássemos de lado o rigor desse nosso tratamento formal em prol de uma fórmula mais simples, mais coloquial mesmo, e que nos tratássemos por você. Proposição aceita?

JP: Sim, é claro, aceita e com prazer, por que não? eu também me sinto mais à vontade assim, através de um tratamento mais informal. Perfeito. Pois bem, Belmira, vamos à nossa entrevista que, tenho certeza, será muito enriquecedora a todo aquele que a ler. No seu livro Da Angústia in vitro à Superação do Abismo, de 1989, a senhora…ou melhor, você nos livra uma idéia plurissintética sobre os diversos aspectos da angústia humana. Qual a diferença, pois, entre a angústia vista pela psicanálise e pela filosofia?

BS-K:  Esse livro, que você citou, é uma obra que data já de alguns anos e nele minha visão era a de uma mulher que acabara de sair de uma separação dolorosa, dolorosíssima. É, portanto, entremeado de conteúdos emocionais nem sempre estáveis e nem sempre idôneos, o que, de certo modo, interferiu em alguns dos conceitos emitidos. Ressalva feita, devo dizer que a filosofia e a psicanálise lidam com angústias distintas, ou seja, a angústia mental e a angústia psíquica. A psicanálise, esse mal do nosso século, luta contra a angústia patológica, um conflito por vezes prazeroso entre o desejo e a moral social, cristã, ainda por cima, numa tentativa de reconciliar o indivíduo consigo próprio para asservir-se dos demais. No entanto, mesmo se atingíssemos um estado ideal de perfeita saúde mental, emocional, passional e afetiva, depois de 30, 40 anos de análise bem sucedida, restaria mesmo assim a angústia metafísica, a busca do objeto de fé. É aí, minha tão simpática Júlia, que começa a filosofia a ensinar-nos a alcançar a sabedoria no sentido de buscar o hedonismo, a transpor o umbral da fé para mergulhar nas águas do prazer maduro, sem mais aquelas reticências coibitivas da moral cristã, em suma, a buscar a felicidade maior e mais consciente.

JP: E nesse caso, Doutora, eh... Belmira, o que há na filosofia que a religião não tem?

BS-K: Maravilhosa pergunta! por sinal, abro aqui um parêntese para fazer um elogio ao timbre cristalino desta tão bela voz que você tem, Júlia, de uma agradabilidade total aos meus ouvidos, eu diria até, desconcertante! (risos)  

JP: ... agora fiquei até um pouco encabulada, confesso.(risos) Muito obrigada, Belmira, é realmente muita gentileza de sua parte.

BS-K: De nada, querida. Voltemos ao mérito da sua brilhante questão. Veja bem, tanto a grande religião quanto a grande filosofia pretendem fazer com que as pessoas deixem de ter medo, que elas se dispam dos mantos (ou das camisolas) de preconceitos, arraigados que estão desde a mais tenra infância. Essencialmente, o que a religião diz é que, se alguém tem fé, se acredita em Deus, não precisa ter medo. Não precisa, por exemplo, temer a morte porque, através desta, vai-se encontrar com o Homem – ah, sempre esse Homem aí! (risos) essa eterna ingerência masculina, geradora de fobias e preconceitos. Logo, as religiões são a doutrina da salvação pela fé e que, cá entre nós, jamais vi algo de tão ridículo. Salvar pela fé em que ou em quem? Já as filosofias querem, porém cada qual segundo sua linha, a mesma coisa: salvar todo ser humano de seus medos. Dentro do meu método, ela preconiza salvar as mulheres do medo que as impede de viver bem, através do prazer realizado e consciente, sem tabus nem formalismos, da forma mais simples, mais inocente e mais aprazível. Assim como o amor entre duas mulheres, por exemplo.

JP: Penso que entendi. E no caso mais próximo de nós, Belmira, com a disseminação do medo, ficou mais difícil superar esse obstáculo para a salvação de cada ser humano?

BS-K:  Agradou-me sobremaneira esse seu "mais próximo de nós, Belmira". Estimulante. (risos) Pois bem, a primeira grande resposta a essa tua tão perspicaz pergunta, Julinha, já esboçara seus primeiros gestos na minha obra A Solidão ao Feminino, de dois anos atrás. Nesta obra, no terceiro capítulo, eu desenvolvo métodos de como uma mulher estará apta a vencer os maiores medos da existência humana dentro de si: o medo do passado e do futuro. Esse passado, que nem sempre lhe foi bem costurado, um passado raramente contensor, onde a figura paterna impôs seu ferrete sob a forma de ícone patriarcal absoluto, intocável, ou então, sob a forma de marido opressor, desleal, egoísta. Sobra, portanto, à mulher, a opção do futuro, onde seus projetos nem sempre são claros e, pouco objetivos, tendem a levá-la a um ciclo de indecisões, ciclo este gerador de estados de angústia ou de apatia. Os filósofos gregos diziam que o sábio é aquele que consegue pensar menos no passado e ter menos esperança. O passado já aconteceu. O futuro é uma ilusão, Ju. Vivamos o presente tal como ele se nos apresenta, com suas grandes e macias almofadas, convidativas, à meia-luz, e liberadas das peias insensatas dos nossos preconceitos mais incoerentes.

JP: Entendi, ou melhor, penso ter entendido, Belmira...

BS-K: Você entenderá tudo, tudo, um dia, Ju, tenho certza. Me chame de Bel, querida. 

JP: Está bem, obrigada. Bem... é... retomemos os nossos tópicos... aos pouquinhos. (risos nervosos) Deixa ver.... ah, você nos falou deste seu livro A Solidão ao Feminino, de 1998, todavia, mesmo com essa ampliação da ótica e de certos conceitos surgidos nos últimos anos, decorrentes dos mais diversos movimentos de emancipação da mulher nos setores mais ativos da sociedade, gostaria de saber se, no panorama universitário do ensino da filosofia, teria havido ou não uma resposta  semelhante. 

BS-K:  Houve sim uma mudança neste sentido dentro do ensino da filosofia, uma guinada da prática para o discurso, decorrente da vitória do feminismo sobre representativo setor do patriarcado dominante no mundo ocidental, as evidências o corroboram. Mas, veja você, meu anjo, a partir da Idade Média a religião assume um papel cada vez mais importante que a filosofia, e isso fez com que se abrisse a caixa de Pandora a todo gênero de repressões e preconceitos. A religião, infelizmente, detém o monopólio do que é a vida beata, do que é a salvação da alma e baboseiras tais, e proíbe a filosofia de cuidar dessa questão. É aí que a filosofia se torna apenas um discurso, uma análise de conceitos e não mais uma prática que tem por objetivo ensinar a mulher a conhecer-se a si mesma, descobrir e compreender a semiótica de sua própria libido e buscar, não mais sob arquétipos patriarcais ou religiosos, mas na interação com uma outra alma feminina, uma anima parecida com a dela, isso é fundamental, lançar os alicerces da felicidade consciente que ela tanto almeja. Escolhi o título A Carência Delicada para difundir a idéia de que a filosofia não é apenas um discurso, mas um aprendizado da vida através da liberação dos auto-entraves. Resumidamente, essa filosofia fará você ainda bem mais feliz, Ju, está escrito nesses seus tão belos olhos. (risos)

JP: (risos) Obrigada, você me deixa sem palavras...

BS-K: E para que palavras, meu amor, quando os olhos já falam mais que toda a filosofia do mundo, não é?

JP: (risos mais que embaraçados) Bem, deixe-me retomar a nossa entrevista, infelizmente, nosso espaço aqui não é ilimitado, infelizmente...

BS-K:  Mas isso não é tão grave assim, meu amor, a gente sempre encontrará o espaço que nos convém, tenho certeza. 

JP: (risos) Belmira... Bel, já nem sei mais, (risos) enfim, você poderia nos dar uma síntese de como se ensinava filosofia nas grandes escolas gregas?

BS-K:  Alguém já lhe disse que você fica uma graça quando ruboriza? não? então digo-o eu. Meu anjo lindo, é impossível me concentrar com este seu estonteante sorriso pairando assim, diante de mim! (risos) Mas, dona de mim que sou, eu respiro fundo e vou ao fundo da sua pergunta: ao contrário do que ocorre nas nossas universidades, nas escolas gregas não havia discursos, mas exercícios de aprendizado da sabedoria. Um exemplo: na escola estóica, no século IV A.C., Zenão de Cítio, o primeiro estóico, pedia a seus alunos que pegassem um peixe morto na feira e que o amarrassem a uma coleira para levá-lo para passear como se fosse um cachorro. Hoje, digamos, esse mesmo ritual macabro é executado por soldados americanos com guerrilheiros talibans. E, segundo o que sei, também em práticas sado-masoquistas, por exemplo. Pois bem, quando esses alunos passavam, quase todos olhavam e zombavam. O que pretendiam os alunos de Zenão? (que por sinal, era homossexual mas não assumido, vale aqui o lembrete) Pois bem, eles pretendiam que não deveria se temer o que os outros dissessem. O sábio não é apenas aquele que teoriza, mas aquele que vence o medo do olhar alheio, do que os outros pensam. O sábio não se importa com as convenções artificiais dessas “boas pessoas”, religiosas, os moralistas cristãos. Não, ele desvia o olhar para concentrar-se na natureza, no cosmos, na beleza diante dele e se deixa encantar por ela. Ou seja, a sábia vive em harmonia com a ordem natural das coisas, com ela própria, totalmente receptível aos apelos de um sorriso lindo, por exemplo, ávida para conhecer o sabor de um beijo nesta boca, deixando-se levar de mãos dadas a esse mundo de almofadas macias, como já citei antes, onde edredons convidativos as esperam... 

JP: Muito obrigada, Professora Doutora Belmira Simone Santos-Knupp.



* Belmira Simone Rhodes Santos-Knupp é doutora em Filosofia pelas Universidades da Paraíba, de Darmstadt e de Sussex, autora de vários livros sobre o feminismo e de um método progressivo de desinibição que ela denomina " fêmealidade sub-crescente", uma linha filosófica que busca explicar que as carências maiores existentes no universo feminino provém dos medos, e cuja libertação só se dará pela cooptação de afinidades em um mesmo gênero, corrente esta que se tornou uma espécie de tendência "fetiche"no universo homossexual feminino.