Em termos de expressão, mylord, qual a diferença entre o alemão, o francês e o brasileiro?

É que o alemão pensa antes de falar ✦ o francês pensa enquanto fala ✦ e o brasileiro fala sem pensar. (Lord Jaeggy)

sábado, 28 de dezembro de 2019

ENTREVISTA NO PROGRAMA "DEZ MINUTOS com AMARO DE RESEDÁ" do 19.07.13

AMARO DE RESEDÁ, apresentador do programa "10 Minutos com Amaro" da Rádio Jaracussú FM: Boa taaaarde*, queridas amigas e amados amigos! hoje, a personalidade que iremos receber em nosso estúdio é a célebre atriz Dagmar Conceição, oh meu Jesus jovem, onde é que eu estou com a cabeça? (risos) perdoem-me essa infausta falha, meus amados ouvintes, eu quis dizer a célebre atriz Elke Carrero, essa filha da nossa região que foi ao Rio para subir, e que se encontra hoje de visita ao seu berço batismal, a nossa tão bela cidade de Jaracussú das Almas. Elke Carrero, é um prazer imenso tê-la aqui em nosso humilde programa, sinta-se à vontade. Mas não demais, né? (risos)

ELKE CARRERO: Muito obrigada, Amaro, pode ficar tranquilo, querido, não ficarei à vontade demais aqui, reservei isso apenas para o meu novo filme que vai estrear em setembro. (risos)

AR: Ai meu Jesus jovem! Deus do Céu do azul mais puro! assim você me deixa sem graça, querida atriz! pelo que entendi, e eu entendo sempre! (risos) você acaba de me presentear com um "furo" de reportagem neste momento. De filme novo na praça, querida? ah, mas isso é formidável, é divino, ma-ra-vi-lhoso! Fale-nos dele, pois, desse seu novo filme que, ao que parece, já se anuncia bastante tórrido, ou estou errado?

EC: To-tal-men-te errado, meu amor. Mas bota errado nisso! (risos) de tórrido mesmo o meu próximo filme só teve o "décor" pois ele foi rodado no sertão da Paraíba, em plena caatinga, com um solzão brabo daqueles, um lugar mais agreste do que a cidade em que nós nascemos, eu e você.

AR: Ah, sim?... veja só... mais agreste que Jaracussú das Almas? ah, sim? quero dizer, do que a nossa tão amada cidade?.... e você acha que ela é tão agreste assim, conterrânea

EC: (risadas) Não, eu estava brincando, queridão, imagina só se a minha, a tua, a nossa Jaraca é um fim-de-mundo, imagina! Jaraca é um encanto de cidade, aliás, nem sei porque eu a troquei pelo Rio, por São Paulo, por Búzios.... aqui é o centro do mundo, meu querido! (risos) 

AR: Ah, entendi, entendi... O gás me falta agora mas, como dizem os ingleses, o show must go on! (risos) e então, minha espirituosa conterrânea, que tal se você nos falasse desse seu novo filme? ele já tem nome, oh perdão, já tem título? 

EC: Tem sim, meu amor, ele se chama "A Boneca Piróquio e o Grêlo Falante", é uma comédia, digamos, mais uma sátira, na qual a figura tradicional de Pinóquio é um travesti meio cara-de-pau e que se mete a ouvir conselhos do Grêlo Falante, que por sinal, o acompanha nas diversas aventuras que ele tem com os tipos humanos mais loucos, digamos, que eles vão encontrando pelo caminho, até que Piróquio termina como líder de um bando de jagunços, em pleno sertão, ao lado de um bando de Sem-Terra.

AR: Ah, mas que coisa mais esplendorosa não deve ser esse seu filme, minha querida, que enrêdo fenomenal, olha, de deixar Hollywood morrendo de inveja. Um luxo só essa sua nova chanchada, oh perdão, esse seu novo filme. Quem sabe até, de um kitsch daqueles, mas, bom...fico aqui só imaginando a cara-de-pau do seu amigo aí.(risos) E você, naturalmente, fez o papel da boneca, imagino. Ou teria sido o desse.... desse inseto aí, querida Elke?

EC: Nem um nem outro, amoreco, no filme eu faço a mulher de um cangaceiro, a Vilma Braçalhau, uma dançarina muito bonita, sexy, inteligente, ardilosa e coisa e tal, e que distrai os homens da quadrilha dançando e fazendo striptease no primeiro palco improvisado que aparece, como o fito de despitar os soldados da volante.  

AR: Ah, agora entendi o porque desse seu "ficar à vontade" de há pouco... Meu Jesus das gardênias oferecidas! (risos) e esse desnudar-se aí é, digamos, é striptease total ou é assim meio.. perna-de-Jardel?

EC: Totalíssimo, meu amor, tem tomadas que foram feitas mesmo em close. Eu não faço strip perna-de-Jardel, conterrâneo, comigo é preto-no-branco, ou melhor, preto-no-rosa! (risadas) Nesse meu filme, por sinal, tem um close bem ousado, tipo revista Sexy, sacumé? na cena em que Vilma cai do palco e um cangaceiro se abaixa perto dela, aí o diretor manda a câmera fechar em zoom...

AR: Ai, ai, ai, pára, pára, mulher! Pára!! olha a moral do programa, olha a moral, mas que coisa! meu Jesus jovem, mamãe, me acorda! olha, eu já entendi, já entendi, Dgamar du cinemá, Deus do Céu, oh perdão, Elke! mas, enfim, que coisa maravilhosa não deve ser essa cena, realmente à altura deste seu astronômico talento. Porém, mudando de rosa para choque, não somente eu, mas todo esse nosso maravilhoso público gostaria muito, mas muito mesmo, de saber a quantas anda esse seu coração, conte-nos tudo, queridoca, somos todos ouvidos!

EC: Meu coração? olha, Onorato, oh, quero dizer Amaro... não sei porque Onorato apareceu na minha cabeça agora... (risos) Mas veja você, segundo os exames que fiz em São Paulo na semana passada, com o meu médico particular, Dr. Rubens Zahyra, a minha pressão agora está mais baixa, eu respiro um pouco melhor, e me sinto melhor também. Mas o problema é que eu continuo fumando bastante, não tenho jeito de largar esse vício, é um horror. Por isso, o risco de uma nova operação existe, mas...

AR: Não, não, meu Deus menino, não! espere um pouco, minha cara atriz, quando eu falei de "a quantas ia o seu coração", não foi nesse sentido não, por sinal, eu nem sabia que você tinha pressão alta, que seu médico é de São Paulo, que você fez operação nem funiculi-funiculá! não, eu só quis saber, aliás, não somente eu, mas todo esse maravilhoso e imenso público que nos escuta neste instante, sobre que fim levou aquele seu tempestuoso romance com o cantor Cláudio Hárlysson e que deixou o Brasil inteiro no maior suspense, sem poder dormir...

EC: Peraí, dizer que deixou o Brasil inteiro no maior suspense e sem poder dormir é meio exagerado, né, Onorat..., mas que coisa! sei lá porque insisto em te chamar de Onorato! (risos) quis dizer Amaaaro de Rosedá...

AR: De REsedá, queridinha!

EC: É hoje! (risos) tudo bem, senhor Amaro de REsedá, se quer mesmo saber, esse caso meu com o Cláudio já passou, é página virada, já falaram e escreveram muito sobre isso, e eu realmente não entendo qual o interesse seu e nem o de seus ouvintes em remexer uma história velha, pessoal, e que foi muito dolorosa para mim, numa entrevista que deveria falar apenas de meu trabalho atual no cinema. Eu sou uma atriz séria e...

AR: Você, uma atriz séria!?! durma-se com um panelaço desses! escute, queridoca, você não sabia que atriz que deixa a cidade em que nasceu e vai tomar chuva na cidade grande tem mesmo é que se molhar? (risadas) quis ser atriz no Rio, mulher pública, superstar em São Paulo, Búzios, pois é, de volta à terra, aqui é assim, queridinha, ajoelhou, tem que rezar! (mais risadas)

EC: Pois então que se ajoelhe você diante do seu bofe-mequetrefe, seu Amaro de REsedá-prá-todo-mundo, e reze a noite inteira nele, porque eu vou sair dessa porcaria de programa e juro que nunca mais porei meus pés nesta... 

AR: Vai, mas vai mesmo, atriz atroz! tem cada uma que me acontece!...Vai, Satã, toma tua forma e me deixa aqui agarradinho com Cristo, vai!... Pasmo estou eu, boquiaberto diante de uma tal ingratidão e de um tal despautério. Meu Jesus das argolinhas coloridas! a vida é mesmo assim, meus caríssimos e adoráveis ouvintes, como dizia Zé-Rifa, a cada vaca, sua cancela. Ou como digo eu: a cada Elke, a Dagmar que ela merece! Na semana que vem, queridos meus, estarei de férias, vou para Miami Beach, recarregar minhas baterias numa praia bem afastada desse mundinho... com quem vou, ah, aí eu não digo, mas não digo mes-mo! (risos) pois é, um mês inteiro só speaking English, é mole? Muito queridas amigas e amados amigos, privilégio desses não é prá toda atrizinha pornô não, é só prá quem pode! sentirei saudades de todos vocês...

(Corte em fading, a locução indo paulatinamente coberta pelo prefixo do programa e que, como todos sabem, trata-se da canção "Cartas de Amor", versão brasileira de "Love letters", na voz de Agnaldo Timóteo.)



* o grifo é nosso.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

LOLLIPOP: A CRÔNICA POÉTICA DE EVA MARIA LUPINO


A CRÔNICA POÉTICA DE EVA MARIA LUPINO







UM SONETO APÓCRIFO

Outro dia, perdendo-me distraidamente pelas páginas de uma antologia poética dos anos 70, esbarrei com um poema que me deixou sobremaneira inquieta. Um soneto. O poema não me pediu desculpas. Eu também não. Mas ficamos assim, a nos olhar, entre soslaio e vinco irônico decidido, sustentando o peso dos olhares. À medida que o lia, fui ficando cada vez mais agoniada. Fechei o livro e caminhei de volta para casa, frustrada. Não consegui dormir por três noites seguidas. Dias depois, voltei à biblioteca e fui até a prateleira onde tinha achado a antologia. Em vão. Estava emprestada. Levei um mês entre idas e vindas maçantes e frustrantes a essa biblioteca, sem conseguir mais ir trabalhar, e voltei a fumar, desesperadamente. Já à beira do desemprego e da bronquite, chego finalmente, num começo de tarde, à mesma estante, e… o que vejo? a antologia lá de volta. 

Excitadíssima, percorri as páginas, febrilmente, até que quase já sem fôlego, tropecei no mesmo poema de há um mês atrás. E lá estava ele,  o soneto, em todas suas letras e versos. Só que, desta vez, a página estava toda salpicada de anotações e grifos feitos com caneta vermelha. Um ato de vandalismo, seria? em todo o caso, um verdadeiro horror visual para mim. Retomei então meus espíritos e comecei a reler o soneto, que se chamava "EVA" e não tinha  nome de autor. Ou de autora.

Eu te conheço, Eva, inteirinha!
Sei das provas "coladas" na escola..
Do teu priminho que não te dava bola...
Dos teus esconde-escondes com a vizinha...

No início fiquei em dúvida e pensei: será que é mesmo comigo? Não, eu não sou a única Eva do mundo. Nem fui a primeira, e nem serei a última. Logo... Mas, essa aí de priminho que não me dava bola? estranho. Teria sido o João Alfredo?…. ou o Ronan, que já faleceu? estranho. A história é que, sem que eu saiba porque, a palavra "inteirinha" aparecia sublinhada a tinta vermelha. Não sei também porque ao lado da palavra "priminho", havia uma estrela com um ponto de interrogação. E nem porque da palavra "vizinha" saía uma flecha para as iniciais L. B. no rodapé da página. Leila Belmonte…. seria?… ou então Luísa Bellotti Barroso? mas aí seria um L. B. B. Cheia de dúvidas, continuei lendo aquele intrigante soneto apócrifo.

Lembra daquela velha camisola
De hippie que tu usavas sem calcinha?
Lembro até do que tinhas na sacola,
As coisas que fumavas com a Verinha…

Sim, eu usava uma camisola de batik na época em que era hippie, sim, mas essa história aí de sem calcinha.... não sei.... Como posso lembrar, faz tanto tempo. E Verinha… mas que Verinha?… a Verinha Pettinati, aquela antipática? não, espera um pouco… tinha uma outra Verinha também, a que fazia Arquitetura. A gente almoçava junto, às vezes, e saía também de vez em quando…. mas, ela fumava? não lembro mais. Ah, e havia também a Vera Cruz Filisberto, a Verinha Fumacê, que foi miss universitária, galinácea como ela só, dormia cada noite em uma casa diferente… será que é ela? Deus do céu, como posso saber?… gozado, o que quer dizer essas aspas que puseram na palavra "coisas"? e esse número aí, 67.32.35 ao lado do "calcinha"… parece mais telefone dos anos setenta… Deus do céu, será que eu andei dando o meu telefone a algum poeta anônimo que não devia, naqueles anos lá?…

Essa imagem de ti que ainda trago
Na brisa da saudade, dói e balança,
Misturam-se a um sentimento vago

Da casa dos teus pais, na antiga rua...


Ah, eu achei tão bonito esse quarteto... será que o autor, ou autora, é gente que me conhece? até parece... Deus do céu, quanta coincidência! ou, quem sabe, alguém que me admirou em silêncio, à distância, durante anos, e que um dia se tornou poeta, talvez até um célebre poeta, com sonetos que fazem parte da antologia poética de uma grande editora!.... ai estou me sentindo agora um ser humano até muito privilegiado. A platônica Musa de um tímido vate, quem sabe, de um grande nome das letras nacionais... nossa, jamais me imaginaria em um papel desses, juro.

Mas, de ti guardei a melhor lembrança:
Aquela foto em que estás toda nua.

Aqui me deu aquele arrepio. Foto minha? onde eu apareço toda nua? ai, ai… no momento, fiquei todinha arrepiada. Deus do céu! Pior ainda: ao lado do último verso, escrito na mesma e irritante tinta vermelha, havia o endereço de uma página internet. http://www… 

Vocês acreditam que até hoje eu ainda não tive coragem de acessar essa página?

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

ENTREVISTA NO PROGRAMA "DEZ MINUTOS com AMARO DE RESEDÁ" do 01.04.13

AMARO DE RESEDÁ, apresentador do programa "10 Minutos com Amaro" da Rádio Jaracussú FM: Boa taaaarde*, queridas amigas e amados amigos! hoje, a personalidade que iremos receber em nosso estúdio é o célebre poeta Altino Britto de Palma Júnior, esse grande literato local e que acaba de ser contemplado com o cobiçado Prêmio Cascavel, da não menos cobiçada Academia de Letras da nossa bela cidade de Jaracussú das Almas. Que imenso prazer tê-lo aqui em nosso humilde programa, poeta Palma Júnior, sinta-se à vontade.

PALMA JÚNIOR: Muito obrigado, a honra é toda de vocês.

AR: Poeta Palma Júnior, diga-nos, com a franqueza prosódica que tanto o caracteriza, como vivencia o senhor este estado, digamos, olímpico após receber uma distinção protocolar de tamanho prestígio?

PJ: Embora, sim. Convenço, porém, concordo. Meu caro Amaro, observe-me com atenção. Conquanto se faz dia e ainda é noite, a hora é de espera, concordamos? naturalmente que sim. Matuto eu com meus botões de osso, distraidamente, sem um ranço mínimo de soberba, não! jamais no-lo me permitiria! (risos) e pífio e glauco qual ameixa esquecida num pires de jaboticabas, vou por aí, assoviando a flautosa ironia de um sátiro desempregado para dizer que, prosaicamente, eu admito a distinção, e isto, per si, já me basta. 

AR: Magistral resposta, poeta! dessas de doer nos tímpanos de qualquer menor abandonado, realmente…que extraordinária resposta! mas, diga-nos, poeta Palma Júnior, esgueirando-se em vossa astuta e vasta experiência literária, se nos abrir, a nós e aos vossos ouvintes, a caixa de Pandora desta desmedida metamorfose conceitual, o que seria para vós essa coisa aí que alguns chamam de inspiração?

PJ: Ah, magnífica pergunta! Bravo, magnífica questão! essa é a perene questão da existência, a pedra angular de todas as perguntas. Bravo, radialista! mas, atenção, fórceps às orelhas. Meu saudoso pai, o eminente professor catedrático e filósofo ex nihilo Calógeras Britto de Palma, do qual eu, muito modestamente, herdei o digno nome, além dos talentos intelectuais, a inteligência excepcional, et cetera, et cetera, costumava dizer diante das platéias embasbacadas que o ouviam: A inspiração, meus senhores, é como uma diarréia; senão impossível, é muito difícil contê-la. 

AR: Frase lapidar!

PJ: Lapidar sim, certamente, porém árida, muito dura de se ouvir. Dolorosa mesmo. Daí o porque de eu tanto desejar tê-la cunhado, se bem que não passando de mero aprendiz de uma ilusão factual, perdi o bonde das terças-feiras e me fiz jogral inconseqüente das tardes que não voltam mais. 

AR: Esplêndido, que maravilha. Veja, poeta Palma Júnior, tenho em mãos (um pouco trêmulas, reconheço…) um exemplar do vosso famoso livro, curiosamente intitulado "Como as Sagas que me Secam", um título que nos remete imediatamente àquelas narrativas heróicas saídas da mitologia nórdica, e que tanto preencheram o nosso imaginário de adolescente, um título que, em si, já é todo um poema. Como as sagas que me ressecam ou, se ouso traduzir, diria "assim como as lendas escandinavas que me deixam vazio de lágrimas", o "secam" aqui no sentido maior de deixar o espírito triste, despojado de amor. Por favor, poeta Palma Júnior, dai-nos logo a graça da competência de vossa explicação do título a esse público entusiasmado que vos escuta neste momento.

PJ: Não, meu caro, não há nada de nórdico neste título não, posso assegurar-lhe. Absolutamente. Confunde sim, e mais de um néscio, como foi o seu caso há pouco. No entanto, posso penhorar-lhe a minha mais soturna confidência, meu preclaro entrevistador, que nada, mas nada vêzes nada há de escandinavo em tal título. Ao contrário, é a prova mais que eloqüente do terrível mal que um êrro de digitação, associado a um revisor situado nos antípodas da perfeição, míope e incompetente, pode levar a uma obra de tal quilate. O título original do meu imortal poema, o mesmo como está lavrado no alto da página 37, é o de "Como as Salgas que me Secam". As salgas e não as sagas! O êrro é descomunal, é abjeto. Todavia, ao descobri-lo, aterrorizado, eu  percebi que toda a tiragem já estava impressa, teria sido dispendioso demais ter que refazer todas as capas. Porém, dubitativo que sou da profundidade deste seu provavelmente substanciado vocabulário, meu caro Amaro Dez, eu irei ainda mais longe na exegese. A palavra salga, em ocorrência, significa lugar onde se faz a salga, esse ato de salgar carnes, quando de charqueadas, por exemplo. Um hábito, por sinal, que vemos amiúde em nossa tão grotesca região. O como, no caso aqui, não é pronome adverbial, porém verbo! note bem, ver-bo! ou seja, traduzindo para um quadrúpede que se equilibra em bípede com flagrante dificuldade, o título fala de "comer o lado salgado de certas coisas, mesmo que essas me deixem morto de sêde". Espero ter sido suficientemente claro.

AR: Foi sim, poeta. Claro até demais. 

PJ: Pois então, Resedá, realize, não obstante a falcatrua dos imaginários, aliada à  inocência vaidosa das idéias sem dia seguinte, um infausto êrro assim faz vender o meu livro. Cáspite! Esse título aleijado espicaça o mal-estar dos suplicantes, os quais, na mórbida curiosidade que lhes devora as entranhas, querem, todos, e prestamente, decriptar os significados de supostos conteúdos venais ou licenciosos, sonegados nos ladrilhos das minhas páginas poéticas. Homessa! nada de mais ridículo. Vocês imaginariam todos esses leitores, viciosos, em suas vistosas cuecas de cetim, enrodilhados em torno de uma louça sanitária já vetusta, o rosto em chamas, numa busca desenfreada de intenções de um verso meu que diz "pó de incenso a impregnar volutas de flatulências, é como se teus pensamentos me aniquilassem"? respondam-me, vocês imaginariam uma cena dantesca dessas?

AR: Não, é claro que não, poeta, obviamente que não. Mas, oh, poeta Júnior, que coisa mais linda esse verso… emocionou-me. A idéia mesma das volutas em torno dos pensamentos, do incenso nos ladrilhos do banheiro…

PJ: Demasia, contudo. Mas, avanço e concordo, este verso instigador se faz momentaneamente reptlíneo, e serpenteia por entre aforismos, gargareja no irrisório para, finalmente, desaguar no dístico glorioso "Rutila a inútil gama de lacraias e bagaços, ara! /  e vai, pelo furo final, deslizar em tua insulsa cara." 

AR: Ma-gis-tral! porém, vejam que interessante, nesse verso eu senti algo de… Dostoiévsky… algo de Chopin. Foi uma coisa assim que me bateu, de chôfre, e me disse ser de um dos dois... mas me evoca também algo de Pessoa…. ou de um Proust…. não sei, de um poeta cujo nome começa com a letra P, eu acho…

PJ: Ora, mas tem tantos, tantos, inúmeros, à mancheia: Péricles, Pound, Procópio Ferreira, Paulo Coelho, Peter Sellers, Picasso, Piolim…. Palma Júnior….

AR: Ah, eu estou como que sonhando aqui, embalado nas nuvens cor-de-rosa da Poesia... tão alheio deste mundo que só agora é que noto que o nosso programa já chega ao seu final. Mas, como posso eu fazer abstração do canto fanho das Aretusas que me fazem grandes sinais do outro lado do aquário, como se eu fosse cego, como posso com algo assim? que coisa mais chata, causa-me espécie e das piores! mas, sim, voltando ao nosso luminoso convidado do dia e que nos deu a honra de abrilhantar nosso programa de hoje, o inesquecível poeta Calógeras…

PJ: Alto lá, colega, Calógeras não, Altino!! Calógeras era o meu finado pai e não era poeta.

AR: Sim, sim, é claro, Altino, Altino!! e Britto de Palma Júnior, ainda por cima! oh, meus sais, é a emoção que me turva os olhos, turva a minha leitura…. danação, já puseram o prefixo no ar e estão me fazendo grandes sinais com os braços, terei que vos deixar, meu caros ouvintes, estamos em cima da hora. Muito obrigado a todos vocês pela atenção e pela fidelidade…. por sinal, poeta Altino Júnior, lembrei agora de um poema vosso que fala da fidelidade, quem sabe poderia fechar nosso programa….

PJ: Sim, trata-se de um soneto meu de antologia, já meio antigo, porém muito original, e que começa assim: "De tudo ao meu amor serei assento, / aos prantos, nu em pêlo e pelos cantos, / e mesmo que te doa e cause espantos / vou-te entranhar o meu ressentimento. / Quero torcer o…"


(Corte brusco da entrevista para um comercial das Casas do Bicho, "aquelas onde o seu dinheiro não vai pro lixo".)



* o grifo é nosso.