Em termos de expressão, mylord, qual a diferença entre o alemão, o francês e o brasileiro?

É que o alemão pensa antes de falar ✦ o francês pensa enquanto fala ✦ e o brasileiro fala sem pensar. (Lord Jaeggy)

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

LOLLIPOP: A CRÔNICA POÉTICA DE EVA MARIA LUPINO


A CRÔNICA POÉTICA DE EVA MARIA LUPINO







UM SONETO APÓCRIFO

Outro dia, perdendo-me distraidamente pelas páginas de uma antologia poética dos anos 70, esbarrei com um poema que me deixou sobremaneira inquieta. Um soneto. O poema não me pediu desculpas. Eu também não. Mas ficamos assim, a nos olhar, entre soslaio e vinco irônico decidido, sustentando o peso dos olhares. À medida que o lia, fui ficando cada vez mais agoniada. Fechei o livro e caminhei de volta para casa, frustrada. Não consegui dormir por três noites seguidas. Dias depois, voltei à biblioteca e fui até a prateleira onde tinha achado a antologia. Em vão. Estava emprestada. Levei um mês entre idas e vindas maçantes e frustrantes a essa biblioteca, sem conseguir mais ir trabalhar, e voltei a fumar, desesperadamente. Já à beira do desemprego e da bronquite, chego finalmente, num começo de tarde, à mesma estante, e… o que vejo? a antologia lá de volta. 

Excitadíssima, percorri as páginas, febrilmente, até que quase já sem fôlego, tropecei no mesmo poema de há um mês atrás. E lá estava ele,  o soneto, em todas suas letras e versos. Só que, desta vez, a página estava toda salpicada de anotações e grifos feitos com caneta vermelha. Um ato de vandalismo, seria? em todo o caso, um verdadeiro horror visual para mim. Retomei então meus espíritos e comecei a reler o soneto, que se chamava "EVA" e não tinha  nome de autor. Ou de autora.

Eu te conheço, Eva, inteirinha!
Sei das provas "coladas" na escola..
Do teu priminho que não te dava bola...
Dos teus esconde-escondes com a vizinha...

No início fiquei em dúvida e pensei: será que é mesmo comigo? Não, eu não sou a única Eva do mundo. Nem fui a primeira, e nem serei a última. Logo... Mas, essa aí de priminho que não me dava bola? estranho. Teria sido o João Alfredo?…. ou o Ronan, que já faleceu? estranho. A história é que, sem que eu saiba porque, a palavra "inteirinha" aparecia sublinhada a tinta vermelha. Não sei também porque ao lado da palavra "priminho", havia uma estrela com um ponto de interrogação. E nem porque da palavra "vizinha" saía uma flecha para as iniciais L. B. no rodapé da página. Leila Belmonte…. seria?… ou então Luísa Bellotti Barroso? mas aí seria um L. B. B. Cheia de dúvidas, continuei lendo aquele intrigante soneto apócrifo.

Lembra daquela velha camisola
De hippie que tu usavas sem calcinha?
Lembro até do que tinhas na sacola,
As coisas que fumavas com a Verinha…

Sim, eu usava uma camisola de batik na época em que era hippie, sim, mas essa história aí de sem calcinha.... não sei.... Como posso lembrar, faz tanto tempo. E Verinha… mas que Verinha?… a Verinha Pettinati, aquela antipática? não, espera um pouco… tinha uma outra Verinha também, a que fazia Arquitetura. A gente almoçava junto, às vezes, e saía também de vez em quando…. mas, ela fumava? não lembro mais. Ah, e havia também a Vera Cruz Filisberto, a Verinha Fumacê, que foi miss universitária, galinácea como ela só, dormia cada noite em uma casa diferente… será que é ela? Deus do céu, como posso saber?… gozado, o que quer dizer essas aspas que puseram na palavra "coisas"? e esse número aí, 67.32.35 ao lado do "calcinha"… parece mais telefone dos anos setenta… Deus do céu, será que eu andei dando o meu telefone a algum poeta anônimo que não devia, naqueles anos lá?…

Essa imagem de ti que ainda trago
Na brisa da saudade, dói e balança,
Misturam-se a um sentimento vago

Da casa dos teus pais, na antiga rua...


Ah, eu achei tão bonito esse quarteto... será que o autor, ou autora, é gente que me conhece? até parece... Deus do céu, quanta coincidência! ou, quem sabe, alguém que me admirou em silêncio, à distância, durante anos, e que um dia se tornou poeta, talvez até um célebre poeta, com sonetos que fazem parte da antologia poética de uma grande editora!.... ai estou me sentindo agora um ser humano até muito privilegiado. A platônica Musa de um tímido vate, quem sabe, de um grande nome das letras nacionais... nossa, jamais me imaginaria em um papel desses, juro.

Mas, de ti guardei a melhor lembrança:
Aquela foto em que estás toda nua.

Aqui me deu aquele arrepio. Foto minha? onde eu apareço toda nua? ai, ai… no momento, fiquei todinha arrepiada. Deus do céu! Pior ainda: ao lado do último verso, escrito na mesma e irritante tinta vermelha, havia o endereço de uma página internet. http://www… 

Vocês acreditam que até hoje eu ainda não tive coragem de acessar essa página?