Em termos de expressão, mylord, qual a diferença entre o alemão, o francês e o brasileiro?

É que o alemão pensa antes de falar ✦ o francês pensa enquanto fala ✦ e o brasileiro fala sem pensar. (Lord Jaeggy)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

ENTREVISTA NO PROGRAMA "DEZ MINUTOS com AMARO DE RESEDÁ" do 01.04.13

AMARO DE RESEDÁ, apresentador do programa "10 Minutos com Amaro" da Rádio Jaracussú FM: Boa taaaarde*, queridas amigas e amados amigos! hoje, a personalidade que iremos receber em nosso estúdio é o célebre poeta Altino Britto de Palma Júnior, esse grande literato local e que acaba de ser contemplado com o cobiçado Prêmio Cascavel, da não menos cobiçada Academia de Letras da nossa bela cidade de Jaracussú das Almas. Que imenso prazer tê-lo aqui em nosso humilde programa, poeta Palma Júnior, sinta-se à vontade.

PALMA JÚNIOR: Muito obrigado, a honra é toda de vocês.

AR: Poeta Palma Júnior, diga-nos, com a franqueza prosódica que tanto o caracteriza, como vivencia o senhor este estado, digamos, olímpico após receber uma distinção protocolar de tamanho prestígio?

PJ: Embora, sim. Convenço, porém, concordo. Meu caro Amaro, observe-me com atenção. Conquanto se faz dia e ainda é noite, a hora é de espera, concordamos? naturalmente que sim. Matuto eu com meus botões de osso, distraidamente, sem um ranço mínimo de soberba, não! jamais no-lo me permitiria! (risos) e pífio e glauco qual ameixa esquecida num pires de jaboticabas, vou por aí, assoviando a flautosa ironia de um sátiro desempregado para dizer que, prosaicamente, eu admito a distinção, e isto, per si, já me basta. 

AR: Magistral resposta, poeta! dessas de doer nos tímpanos de qualquer menor abandonado, realmente…que extraordinária resposta! mas, diga-nos, poeta Palma Júnior, esgueirando-se em vossa astuta e vasta experiência literária, se nos abrir, a nós e aos vossos ouvintes, a caixa de Pandora desta desmedida metamorfose conceitual, o que seria para vós essa coisa aí que alguns chamam de inspiração?

PJ: Ah, magnífica pergunta! Bravo, magnífica questão! essa é a perene questão da existência, a pedra angular de todas as perguntas. Bravo, radialista! mas, atenção, fórceps às orelhas. Meu saudoso pai, o eminente professor catedrático e filósofo ex nihilo Calógeras Britto de Palma, do qual eu, muito modestamente, herdei o digno nome, além dos talentos intelectuais, a inteligência excepcional, et cetera, et cetera, costumava dizer diante das platéias embasbacadas que o ouviam: A inspiração, meus senhores, é como uma diarréia; senão impossível, é muito difícil contê-la. 

AR: Frase lapidar!

PJ: Lapidar sim, certamente, porém árida, muito dura de se ouvir. Dolorosa mesmo. Daí o porque de eu tanto desejar tê-la cunhado, se bem que não passando de mero aprendiz de uma ilusão factual, perdi o bonde das terças-feiras e me fiz jogral inconseqüente das tardes que não voltam mais. 

AR: Esplêndido, que maravilha. Veja, poeta Palma Júnior, tenho em mãos (um pouco trêmulas, reconheço…) um exemplar do vosso famoso livro, curiosamente intitulado "Como as Sagas que me Secam", um título que nos remete imediatamente àquelas narrativas heróicas saídas da mitologia nórdica, e que tanto preencheram o nosso imaginário de adolescente, um título que, em si, já é todo um poema. Como as sagas que me ressecam ou, se ouso traduzir, diria "assim como as lendas escandinavas que me deixam vazio de lágrimas", o "secam" aqui no sentido maior de deixar o espírito triste, despojado de amor. Por favor, poeta Palma Júnior, dai-nos logo a graça da competência de vossa explicação do título a esse público entusiasmado que vos escuta neste momento.

PJ: Não, meu caro, não há nada de nórdico neste título não, posso assegurar-lhe. Absolutamente. Confunde sim, e mais de um néscio, como foi o seu caso há pouco. No entanto, posso penhorar-lhe a minha mais soturna confidência, meu preclaro entrevistador, que nada, mas nada vêzes nada há de escandinavo em tal título. Ao contrário, é a prova mais que eloqüente do terrível mal que um êrro de digitação, associado a um revisor situado nos antípodas da perfeição, míope e incompetente, pode levar a uma obra de tal quilate. O título original do meu imortal poema, o mesmo como está lavrado no alto da página 37, é o de "Como as Salgas que me Secam". As salgas e não as sagas! O êrro é descomunal, é abjeto. Todavia, ao descobri-lo, aterrorizado, eu  percebi que toda a tiragem já estava impressa, teria sido dispendioso demais ter que refazer todas as capas. Porém, dubitativo que sou da profundidade deste seu provavelmente substanciado vocabulário, meu caro Amaro Dez, eu irei ainda mais longe na exegese. A palavra salga, em ocorrência, significa lugar onde se faz a salga, esse ato de salgar carnes, quando de charqueadas, por exemplo. Um hábito, por sinal, que vemos amiúde em nossa tão grotesca região. O como, no caso aqui, não é pronome adverbial, porém verbo! note bem, ver-bo! ou seja, traduzindo para um quadrúpede que se equilibra em bípede com flagrante dificuldade, o título fala de "comer o lado salgado de certas coisas, mesmo que essas me deixem morto de sêde". Espero ter sido suficientemente claro.

AR: Foi sim, poeta. Claro até demais. 

PJ: Pois então, Resedá, realize, não obstante a falcatrua dos imaginários, aliada à  inocência vaidosa das idéias sem dia seguinte, um infausto êrro assim faz vender o meu livro. Cáspite! Esse título aleijado espicaça o mal-estar dos suplicantes, os quais, na mórbida curiosidade que lhes devora as entranhas, querem, todos, e prestamente, decriptar os significados de supostos conteúdos venais ou licenciosos, sonegados nos ladrilhos das minhas páginas poéticas. Homessa! nada de mais ridículo. Vocês imaginariam todos esses leitores, viciosos, em suas vistosas cuecas de cetim, enrodilhados em torno de uma louça sanitária já vetusta, o rosto em chamas, numa busca desenfreada de intenções de um verso meu que diz "pó de incenso a impregnar volutas de flatulências, é como se teus pensamentos me aniquilassem"? respondam-me, vocês imaginariam uma cena dantesca dessas?

AR: Não, é claro que não, poeta, obviamente que não. Mas, oh, poeta Júnior, que coisa mais linda esse verso… emocionou-me. A idéia mesma das volutas em torno dos pensamentos, do incenso nos ladrilhos do banheiro…

PJ: Demasia, contudo. Mas, avanço e concordo, este verso instigador se faz momentaneamente reptlíneo, e serpenteia por entre aforismos, gargareja no irrisório para, finalmente, desaguar no dístico glorioso "Rutila a inútil gama de lacraias e bagaços, ara! /  e vai, pelo furo final, deslizar em tua insulsa cara." 

AR: Ma-gis-tral! porém, vejam que interessante, nesse verso eu senti algo de… Dostoiévsky… algo de Chopin. Foi uma coisa assim que me bateu, de chôfre, e me disse ser de um dos dois... mas me evoca também algo de Pessoa…. ou de um Proust…. não sei, de um poeta cujo nome começa com a letra P, eu acho…

PJ: Ora, mas tem tantos, tantos, inúmeros, à mancheia: Péricles, Pound, Procópio Ferreira, Paulo Coelho, Peter Sellers, Picasso, Piolim…. Palma Júnior….

AR: Ah, eu estou como que sonhando aqui, embalado nas nuvens cor-de-rosa da Poesia... tão alheio deste mundo que só agora é que noto que o nosso programa já chega ao seu final. Mas, como posso eu fazer abstração do canto fanho das Aretusas que me fazem grandes sinais do outro lado do aquário, como se eu fosse cego, como posso com algo assim? que coisa mais chata, causa-me espécie e das piores! mas, sim, voltando ao nosso luminoso convidado do dia e que nos deu a honra de abrilhantar nosso programa de hoje, o inesquecível poeta Calógeras…

PJ: Alto lá, colega, Calógeras não, Altino!! Calógeras era o meu finado pai e não era poeta.

AR: Sim, sim, é claro, Altino, Altino!! e Britto de Palma Júnior, ainda por cima! oh, meus sais, é a emoção que me turva os olhos, turva a minha leitura…. danação, já puseram o prefixo no ar e estão me fazendo grandes sinais com os braços, terei que vos deixar, meu caros ouvintes, estamos em cima da hora. Muito obrigado a todos vocês pela atenção e pela fidelidade…. por sinal, poeta Altino Júnior, lembrei agora de um poema vosso que fala da fidelidade, quem sabe poderia fechar nosso programa….

PJ: Sim, trata-se de um soneto meu de antologia, já meio antigo, porém muito original, e que começa assim: "De tudo ao meu amor serei assento, / aos prantos, nu em pêlo e pelos cantos, / e mesmo que te doa e cause espantos / vou-te entranhar o meu ressentimento. / Quero torcer o…"


(Corte brusco da entrevista para um comercial das Casas do Bicho, "aquelas onde o seu dinheiro não vai pro lixo".)



* o grifo é nosso.